abril 22, 2015

O poder de uma boa história

Mais do que qualquer coisa, nós, seres humanos, somos movidos a histórias.


(Ouça esta música enquanto lê a continuação do post: )




As histórias que nos contam para dormir, as histórias que contamos a nós mesmos para acordar, as histórias que fazemos de conta em que acreditamos para não brigar ou para continuar brigando, as histórias cujo final não queremos ouvir, as histórias que pulamos para justamente o final feliz.

Durante muito tempo (acho que toda a vida) estudei literatura. Mais precisamente, estudei (estudo) escrita criativa. E essa área difere um pouquinho da literatura porque enquanto esta estuda as histórias que já foram escritas, a escrita criativa estuda, analisa, disseca, procura entender o processo da criação de uma boa história.

A fórmula matemática disso é bem simples, é uma receita de bolo. Junta-se um recorte no tempo, dentro de um espaço, com uma voz que conta, tendo algo a ser contado, com alguém que é o agente desse algo a ser contado. E é preciso um conflito. Um dilema. Um enfrentamento que o personagem encara.

Kurt Vonnegut, escritor, autor de Matadouro 5, disse, num desses relatos de escritores sobre o ofício da escrita, com relação ao conflito, que o personagem precisa se mover, e que esse movimento surge de uma necessidade, de um desejo. De uma vontade. Todo mundo, em algum determinado momento, vai querer um copo d'água, e até mesmo essa pequena vontade pode ser usada como conflito e transformada numa boa história.

(Chimamanda Ngozi Adichie, uma escritora maravilhosa da Nigéria, deu um depoimento para o TED a respeito do perigo de uma história única, e eu recomendo que todo mundo assista, pra entender como o olhar direcionado e restrito a respeito das histórias pode diminuir nosso aprendizado a respeito do mundo, mas não é sobre isso que eu quero falar agora)*

Eu quero falar é do poder de uma história triste.

Esqueça aquela sua tia, ou vizinha, ou colega de trabalho que sempre tem um machucado, uma doença, uma unha encravada na ponta da língua. Isso não é uma história triste, isso é uma vida triste. Esqueça também aquela sua colega de trabalho, ou vizinha, ou tia que sempre quer competir no SuperTrunfo das tragédias e apresenta sempre um acidente mais grave, um vírus mais mortal, ou um bicho-de-pé para competir com você. Isso não é uma história triste, isso é uma alma infeliz. 

Uma história triste, quando bem contada, pode comover, fazer chorar e mudar opiniões e visões de mundo. 


(A partir daqui, pode ouvir esta música para ler o fim do post:)


Uma história triste, quando bem utilizada, pode abrir portas, abrir mentes, e espaços inimagináveis.

Uma boa história triste, quando bem contada, no momento certo, deixa de ser triste, e deixa de ser apenas uma história, para se tornar uma analogia-coringa, a ser relacionada com qualquer que seja o assunto em pauta. Ela se torna uma metáfora para o mundo.

Pensei nisso agora há pouco, enquanto assistia pela milionésima vez a Eat Pray Love na televisão. Desta vez peguei já na parte do Love, quando a Liz está em Bali. E porque hoje durante o dia comentei da importância de se ter uma história triste pra contar.

Eu tenho a minha, e como uma vez uma amiga me disse, eu já a contei tantas vezes que ela não tem mais efeito de mobilizar ou de emocionar ninguém. E olhando hoje, pelo viés de passados três anos, eu concordo. Mas só porque eu a contava errado.

Logo quando voltei da Itália, eu contava pra todo mundo, na versão mais triste possível, porque eu tinha a intenção de que as pessoas entendessem o tanto de dor que eu passei. Só que isso é impossível, uma vez que a medida do suportável (assim como da alegria) é diferente pra cada um, individual e intransferível. Então por mais imagens e comparações que eu usasse, eu jamais conseguiria traduzir o que eu senti naquele curto pedaço de tempo que me pareceu infinito sem conseguir respirar, sozinha, a quilômetros de família e amigos, sem que ninguém soubesse onde eu estava. Porque o que eu senti me pertence, é a minha cicatriz, e eu não deveria dividi-la aleatoriamente com qualquer um. O que eu senti é só meu. 

Já o que eu vivi merece ser compartilhado. E a beleza disso tudo, dessa história triste (tem a tragédia, tem a tristeza, tem amor, tem separação, tem superação, tem tudo pra ser blockbuster-bestseller-Oscarwinning), é que basta que eu a conte, deixando os devidos espaços em branco para o leitor-espectador-ouvinte preencher com os seus próprios sentimentos, e ela se torna, para além de uma história triste, uma História Universal. Uma Jornada de Herói.

E se tem uma coisa que comove multidões e move montanhas é uma boa história sendo bem contada.





* Sempre bom linkar os bons links: o TED da Chimamanda, com legendas, aqui.


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