maio 02, 2015

A importância das pequenas tarefas

Há muito tempo atrás, (in a galaxy far, far away) eu fiz intercâmbio, e fui morar nos EUA por um ano, com uma família super tradicional. Um pai, uma mãe, uma filha, um cachorro, um lagarto, e o compromisso semanal de ir à igreja. Na época eu não tinha nenhuma prática espiritual, mas nunca fui preconceituosa, então me pareceu muito natural ir com eles, uma vez que eles estavam me "adotando" por um ano.

E foi ótimo. A igreja tinha um grupo jovem super ativo, com pessoas divertidas que faziam sleepovers, saíam pra jantar e viajavam juntos. Uma das viagens foi para as Smoky Mountains, em território indígena, e eu fui junto. Claro que por trás do passeio existia um propósito de evangelização, mas também isso nunca me incomodou, então eu fui, e participei de boas da pizza party que o grupo organizou para convidar os jovens da reserva. E todo mundo ajudava na organização, limpando as mesas, distribuindo as cadeiras pelo salão, dobrando guardanapos. 

Uma das minhas tarefas era passar windex (uma espécie de Veja multiuso) nas paredes. Até aí, super concordei. Mas o que me deixou bem encucada foi que, considerando o tamanho do salão, a quantidade de windex e o tempo que tínhamos até o início da festa, não conseguiria nunca limpar todas as paredes. Mesmo que todo mundo da organização deixasse suas tarefas de lado e focasse na limpeza das paredes, não conseguiríamos terminar a tempo.

Aí eu fui questionar o pastor responsável pelo grupo, e que estava coordenando as atividades ali. Eu nem me lembro direito o que falei pra ele, mas deve ter sido alguma reclamação a respeito da importância da minha tarefa. Afinal, já que eu não conseguiria terminar tudo, então poderia estar fazendo algo mais útil, mais importante, como colar os cartazes, ou tirar os refrigerantes do freezes e acomodá-los no cooler. Rick (esse era o nome dele) olhou pra mim com muito espanto. Como assim a minha tarefa não era importante? Claro que a minha tarefa era importante, ele disse. Eu insisti (porque eu sou brasileira e não desisto nunca): mas não vai dar tempo de terminar todas as paredes. Mais um motivo pra tu continuar, ele disse. E aí continuou: a importância da tua tarefa está no quão bem tu vai fazê-la. Porque todas as tarefas são importantes. 

Eu lembrei disso na segunda-feira passada, quando estava na minha aula de costura. Porque estou lá fazendo bolsos de calça sem ainda sequer saber fazer a calça, e montando dobras de almofada, sem que nada disso faça muito sentido ainda na minha cabeça. E pior, estava fazendo, e muitas (muitas, muitas, muitas) vezes a professora olhava para o traçadinho da linha, sacava da tesoura para desfazer tudo e me olhar com seriedade:
- Volta pra máquina e faz de novo.



Já quebrei uma agulha de costura numa das vezes que fui passar meus paninhos, e já perdi outra, e já perdi a paciência com a overlock, e já perdi o fio tantas vezes que perdi a conta. Mas hoje eu não questiono mais. São essas pequenas coisinhas que vão montar, mais tarde, o aprendizado. 

É quase que uma alfabetização: eu ainda não vejo o todo, e tudo parece pra mim uma peça de quebra-cabeça de um quadro do Pollock, rabiscos cinza de tinta por cima de rabiscos cinza mais escuro por baixo de rabiscos de tinta branca. Mas se eu for paciente e entender a importância de fazer tudo bem feito, mesmo as tarefas mais chatas, mesmo as que parecem mais desimportantes, talvez eu consiga entender alguma coisa do todo. Talvez não tudo, mas um primeiro passo.



Seria bem fácil eu dizer, ah, mas é só uma amostrinha, eu entendi o processo, deixa assim como tá (feito de qualquer jeito, ou simplesmente torto e feio), e seguir em frente, porque (como tudo na vida) eu tenho pressa em chegar lá nos vestidos lindos de festa e nas camisas maravilhosas. Mas pular essas etapas, deixar qualquer passo feito pela metade, ou mal-feito, estaria sendo um engano, um auto-engano, o esquecimento de uma engrenagem que me faltaria lá na frente.

E agora eu já sei, que o que importa mesmo é como eu me dedico às tarefas, por mais insignificantes que elas me pareçam. E assim eu vou um pouquinho mais longe.


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