julho 02, 2020

102 - Thank you, Tom Cruise

Espero que vocês estejam bem. Eu estou. Sim, o mundo tá derretendo, eu sou uma das 20 pessoas que está em casa há exatos 102 dias, evitando todo tipo de saída desnecessária, mas não era sobre o mundo derretendo ou minha semi-prisão domiciliar que queria falar, queria contar uma coisa estranha que está acontecendo.  

Como este texto foi originalmente escrito para o twitter, eu começaria este segundo parágrafo com uma frase engraçadinha, falando "ei, vocês, que estão aí" para o Imenso Vazio. O fato é que no twitter estavam mesmo todos falando de Dark, esse seriado alemão da Netflix que fala de viagem do tempo e coisas assim. Estava com super vontade de ver, mas não estou conseguindo.


Uma força maior que eu chamada ansiedade está me impedindo de ver qualquer coisa que eu não tenha visto antes. Não estou conseguindo assistir nada que eu já não saiba com antecedênci o que vai acontecer. 

Já não vinha assistindo nada de terror há algum tempo, e vinha diminuindo e diminuindo suspenses em geral, mas agora não está rolando. Aproveitei que estava no tuírer pra desabafar sobre os terríveis hábitos de streaming que adquiri nestes últimos 102 dias, e achei que não seria justo só o tuírer ler o meu desabafo.

Primeiro, revi todas as 16 temporadas de Grey's Anatomy. Todas as 16. Sim, #benloka. Pra ser bem, bem, bem, bem sincera, já estava na temporada 9, porque não queria chegar na 11 e rever A Grande Morte*. Sim, todo mundo morre, é uma tragédia atrás da outra, drama e sangue e mais drama, mas é um drama conhecido, é uma tragédia já chorada, é um sangue que eu sei onde vai espirrar. 



Depois de todas os dramas, mortes, sangues e lágrimas de Grey's Anatomy, revi Parks And Recreation, que é um afago e um abraço na alma.



Não sem antes ter visto toda a franquia Jurassic (Park e World) e ter mergulhado de cabeça no mundo do Mission: Impossible. Que só vieram a confirmar minha teoria de que o segundo filme é sempre ruim, de qualquer saga.



 
Teve um domingo de Poderoso Chefão**. Mas quando eu cheguei no M:I minha alma se acalmou de tal maneira que até leituras e trabalhos da faculdade começaram a fluir melhor. (sim, deixo filmes rodando pra ler)(não, não tem explicação científica)(sim, funciona, pelo menos comigo)(não, não recomendo, não tenho explicação.) 



Também revi (estou revendo, ainda não cheguei no final) Gilmore Girls, a série original. Também deixei várias vezes o filme da Liga da Justiça passando para conseguir dormir (works like a charm). Mas tem algo de calmante e acolhedor no sorriso cientológico do Tom Cruise que... 




... que me fez assistir e reassistir a todos os Mission Impossible, menos o último, várias vezes. O dois é estapafúrdio, basta ver a cena inicial e toda a aflição daquela pedra e ele se pendurar sem fio e sem proteção, e preciso confessar que não gosto do J. J. Abrams, porque acho que tudo que ele toca ele estraga, e não foi diferente com a série (mais explosões, mais cenas gigantescas com coisas grandes e brilhantes e menos roteiros, menos espionagem, menos mistério) mas tem sido my own personal chá de camomila com passiflora. 


Pois então, se estiver alguém lendo aposto que vai me perguntar, mas como assim, tudo explode, tem tensão e suspense, e violência, e tudo explode de novo e tiros para todos os lados, e como assim isso te acalma? Sim, isso me acalma porque eu sei, não exatamente fala por fala, explosão por explosão, mas eu sei o que vai acontecer em cada cena.  



Por exemplo, sei que o Tom Cruise não morre nem explodindo o Kremlin. Ele se joga de pedras, prédios, pontes, aviões e fica tudo bem. Ele não morre nem se ficar embaixo d'água sem oxigênio por mais de três minutos, nem se uma micro bomba foi colocada no cérebro dele pelo nariz. Tudo vai dar certo. Os mocinhos sempre vencem.



O bandido sempre expõe seu plano e o plano é falho, e dá tudo errado e o bandido morre e o mundo é salvo de uma crise global, de uma explosão nuclear, de um colapso econômico ou tecnológico, qualquer coisa que possa servir de ameaça, não importa a ameaça podemos ficar tranquilos porque o Tom Cruise vai resolver. Com um sorriso no rosto.



As pessoas normais, os coadjuvantes, que numa situação de vida real seríamos nós, transeuntes, passantes, gente cuidando da sua própria vida, nunca ficam sabendo da ameaça da qual escaparam por graça e obra do Tom Cruise. A ignorância é uma bênção, e tudo dá certo no final. Isso me acalma demais.



Mas aí eu achei outro calmante. O que foi um alívio para o Netflix, que já estava me mandando mensagens to tipo: "Amiga, tá tudo bem com você? Amiga to preocupada, você tá com dificuldade de entender o filme? Qual parte de se jogar do prédio que faltou entender? Tá tudo bem mesmo? Quer conversar?"

E aí para alegria de todos eu achei outro calmante. Chama Sweet Magnolias. E é tudo que o nome dá a entender.



Sweet Magnolias é também um filme, com a maravilhosa Dolly Parton, e tem livros, mas não cheguei a pesquisar, mas o seriado começou agora, tem apenas uma temporada (espero de coração que façam mais) e é o tipo de seriado em que nada acontece. E, olha, isso não é uma coisa ruim.



Se fosse em outro momento da vida eu acharia um porre, mas agora, em situação de pandemia, to achando ótima.



Vem comigo: imagina uma cidadezinha do interior da Carolina do Sul, coreto, pracinha, escola, o restaurante em que todo mundo se encontra, numa cidade em que todo mundo se conhece, e em que todo mundo se mete na vida de todo mundo, e a história mostra a vida de 3 amigas, e os supostos dramas envolvendo a vida delas. Eu digo supostos, porque depois de Grey's Anatomy nenhum drama é drama de verdade.



Mas voltando: a história começa com uma delas passando por um difícil divórcio. Uma das amigas é a advogada. Elas e o ex estão brigando pela casa. Você imagina que o pior vai acontecer e tudo tudo errado e o ex vai deixar ela na rua? Que nada.
 
A advogada conversa com ele e ele concorda em deixar a casa pra família. Uma das amigas tem dois filhos, e um dos filhos fala uma coisa na escola que deixa o irmão numa situação embaraçosa. O irmão vai tirar satisfações. Você acha que eles vão brigar, de soco, certo?



Que nada, eles riem e se abraçam. Uma das amigas encontra a atual do ex, grávida, fruto da traição do ex. Ela vai jogar uma lata de tinta na cara da grávida? Vai gritar? Vai fazer escândalo? Que nada, ela é simpática, e sugere cores, e deseja tudo de bom. 


 Quer mais um exemplo? Tem uma soccer mom que fica incomodando umas das amigas. As duas marcam eventos no mesmo dia e ficam competindo pela presença dos vizinhos nos eventos. A amiga vai lá tirar satisfação? Nada disso, ela leva um presente, diz que deseja muito sucesso e que se a soccer mom tiver tempo pode dar uma passadinha lá pra curtir a festa dela. Não é maravilhoso? Parece que nada acontece, e nada acontece mesmo, no sentido daquilo que estamos acostumados: explosões, traições, envenenamentos, seringas em elevador, fantasmas, hotéis cercados de gelo e neve com machados e rios de sangue, perseguições, decapitações, tiros, mortos empilhados. Acabamos nos acostumamos tanto com isso tudo na ficção que não esperamos nada de diferente nem sequer na vida real.

Já assistimos esperando que alguém morra, que  alguém traia, que alguém roube, que alguém chantageie, que alguém ameace, e que alguém seja desonesto. Não em Serenity, não aqui em Sweet Magnolias.



As pessoas são normais, agem corretamente (tentam) e as confusões em que se metem são por puro ruído de comunicação. To achando maravilhoso. Já quero morar em Serenity.  

Porque é disso que estou sentindo falta, das banalidades de um dia em que nada acontece de especial, de um dia em que você sai de casa e não tem um meteoro, ou um novo Zika, ou um terremoto gigantesco, ou, sei lá, uma nuvem de gafanhotos, um derretimento das calotas polares, um rio de sangue.
 
Estou sentindo falta de sentar com as amigas e, entre drinks e comidas e risadas, dizer "tá tudo bem, não tem nada de mais acontecendo, só vida normal". De não ter a preocupação de vida e morte que está pressionando a atmosfera, nos deixando pesados e arrastados.

Agora se vocês me dão licença, eu vou voltar ali pra outra tela e voltar pra Serenity pra acompanhar mais um dia normal, com um jogo de baseball normal, que vai acabar com todo mundo comemorando com milk-shakes.


 

 
 

 

 


 


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