julho 13, 2020

Berinjela

Hoje eu pedi a berinjela do restaurante que nós íamos, aquela berinjela famosa que o garçom não sabia a receita e o cozinheiro não sabia português, e que eu comentei brincando que casaria com a berinjela e virou referência para qualquer coisa que veio depois, que iria ser comparada, mas trocaria a berinjela?, trairia a berinjela?, virou uma piada interna nossa que a gente (você) tentou dividir mas que não fazia o menor sentido fora da pequena bolha em que orbitavamos, uma bolha brilhante mas pequena, que eu nunca entendi se era feita de amizade ou da ilusão de uma amizade, se da existência ou da expectativa de um vir-a-ser que nunca se cumpriu.

Hoje eu pedi a berinjela e tirei foto mas não tinha como te mandar. Não tenho como te mandar. Não somos mais amigos. Essa é a frase que mais me dói, de pensar que não somos mais amigos. Que não orbitamos, que não temos mais nosso planetinha de referências, memes e emails longuíssimos com confissões e planos e dissertações a respeito do mundo.

Assim como não temos mais o casamento da berinjela, não temos mais clube da música do dia. Não temos mais mensagens com vogais de outras línguas, nem com onomatopeias inventadas só porque sim.

Dos namoros que acabei, também perdi várias coisas, memórias e histórias, fotos, referências, músicas, espaços em que deixei de circular, mas tudo isso eu já contabilizava na separação: o divórcio é também das amizades e dos lugares, quem fica com os copos e quem fica com as fotos. A gente não espera que um casamento acabe, mas entende. Mas uma amizade, a gente nem espera, nem entende. Quer dizer, eu não esperava, e não entendo.

Porque eu sempre acreditei na existência de amizades assim, sólidas e leves, com confiança, abertura, espaços livres de julgamento, todos os assuntos são bem vindos, uma amizade de poder chorar, de poder gritar, de poder rir, de poder pedir ajuda, não importa o que estivesse acontecendo. E eu acreditei que nós éramos assim.

Hoje tento olhar para trás, refaço os passos e as palavras, oscilo entre achar que você me enganou e achar que eu mesma me enganei, tentando entender o que aconteceu. Talvez eu saiba o que aconteceu. Talvez eu tenha feito acontecer.

O fato é que já se vão quase quatro meses de isolamento e o único ex em que penso com frequência é você, querendo saber se está bem, se está se cuidando, se está vivo. Hoje mais ainda. Pedi a berinjela do restaurante em que íamos, pedi a nossa berinjela, e não tinha com quem dividir essa pequena alegria.

Espero que você esteja bem. Espero que esteja se cuidando e esteja contando pequenas alegrias, também, em meio ao mundo derretendo. Não espero que esteja pensando em mim, ou que queira falar comigo porque é esperar demais.

A berinjela continua a mesma. Ainda casaria com ela. Mesmo não sabendo a receita. Pelo menos isso.

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