abril 15, 2020

A opressão da insignificância

O que tem me salvado nesses dias de loucura, aulas online e incertezas, são as conversas online com amigos por vídeo. Marcamos um horário, de fone de ouvido a postos, ligamos nossas câmeras dos telefones e simulamos a normalidade, estamos no sofá de casa, no chão do quarto, a quilômetros de distância, mas por aquele tempo da conversa em que podemos ver mesmo que não possamos tocar, estamos próximos. Não é perfeito, mas tem ajudado.

Normalmente as conversas começam com relatos de medos e questionamentos, ansiedades, crises de choro e de riso (rindo nervosamente), depois é como se estivéssemos em volta do fogão preparando um risoto, ou em volta da mesa com nossas taças de vinho e os assuntos mergulham na normalidade, no compartilhamento de experiências. E num desses momentos, numa conversa recente, estávamos falando de astrologia, mundos, Árvore da Vida e alguém comentou como havia se sentido pequena, minúscula, na dimensão histórica da vida no planeta, na galáxia. É o que eu chamo de opressão da insignificância. Eu falei, e rimos, mas concluímos que sim, a insignificância oprime.

Nestes dias em que números cada vez maiores, gigantescos, são constantemente bombardeados na nossa cara, sempre na casa dos milhares, milhões, bilhões, seja de mortos, contaminados ou dólares, cada vez mais somos colocados numa perspectiva de diminuição, de perda de significado, de invisibilidade. A gente se perde nesses números gigantes, nessa dimensão inalcançável, e se afoga.

Que inclusive é uma sensação tanto de embolia pulmonar como ataque de pânico, um afogamento no próprio ar, como se o pulmão se fechasse em si mesmo e não deixasse o ar entrar, por mais força que o diafragma faça, por mais dor que a gente sinta.

O que, somado ao pavor que me tomou, talvez tenha sido o que eu senti quando tinha uns oito para nove anos, depois de assistir a um programa do Globo Repórter sobre o fim do mundo. Eu já devo ter contado essa história, aqui ou em blogs anteriores, mas é um marco pra mim, e talvez seja o momento de contar de novo. Contar clareia, como me ensinaram.

O programa apresentava algumas alternativas sobre como se daria o fim do mundo. Por uma guerra nuclear (e essa era uma grande possibilidade, uma vez que o Muro de Berlin ainda estava em pé e havia toda a ameaça que vinha dos dois lados), por uma explosão do sol, pelo fim da camada de ozônio, e mais alguma outra que não vou me lembrar. Aquilo era tão mas tão mas tão real pra mim quanto a certeza de a grama do quintal de casa era verde e que o céu era azul. A possibilidade de tudo aquilo acontecer era enorme, gigantesca, e eu deitava na minha cama de criança rodeada de bonecas e brinquedos e sentia o teto se fechar em cima do meu peito e o desespero tomar conta de mim. O mundo iria acabar, eu tinha certeza, e seria logo.

Quando o Muro de Berlin colapsou, e pelo menos uma ameaça saiu da lista, eu lembro de pensar apenas, ok, uma possibilidade a menos. Quando as Torres Gêmeas colapsaram e a opção da guerra voltou à mesa é que me dei conta do quanto tempo carregava em mim o peso do fim dos tempos. A opressão da insignificância. A certeza de que não adianta o quanto eu lute e mude e conscientize e fale e transforme, nada disso tem valor ou sentido perto da vastidão do Nada Sem-Fim do universo em movimento.

2020 tem sido um teste de ferro para os nervos. Já tivemos ameaça de guerra, já tivemos incêndios e crise econômica, agora temos vírus, temos vulcões, temos fumaça tóxica. Nada que possa ser impedido ou mudado por mim. Tudo gigantescamente maior e mais poderoso do que eu possa conceber ou interferir de alguma forma. A minha insignificância novamente me oprimindo, me apertando o peito, me impedindo de respirar.

E entre o pavor de ver tudo acabar e a vontade de que tudo acabe logo a gente tenta não pirar muito, a gente tenta seguir a vida (de dentro de casa mesmo), a gente se apega aos pequenos prazeres, como dar risada com os amigos pela câmera do celular.




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